25 de jun. de 2010

Entrevista com Tunico Ferreira

Por: Marcia Silvania, Thyana Azevedo, Pedro Aquino, Rachel Baêta, Thereza Manes, Simone Lustosa, Pedro Barbosa, Marcelo Sampaio

Tão interessante quanto falar de Martinho, é saber o que as pessoas próximas têm a dizer sobre ele e perceber questões subjetivas e particulares que influenciam sua vida. E, também, o que essas particularidades refletem nas pessoas próximas e na sua contribuição cultural ao planeta. Neste viés, procuramos contato com diversas pessoas que o cercam e fomos simpaticamente recebidos por Tunico Ferreira, músico e seu filho, para uma entrevista que realizamos em Vila Isabel.

Transcrição da entrevista:

Thyana: Podemos? Tunico... Quais são as lembranças que você tem do dia-a-dia com seu pai e seus irmãos?

Tunico: Dizendo assim, do samba? Isso é o que você quer dizer?

Thyana: É, assim, as principais lembranças, lembranças marcantes, lembranças fortes do dia-a-dia.

Tunico: O meu trabalho começou ali.

Thyana: Aham.


Tunico: O meu trabalho começou ali. O que acontece é o seguinte, na época a Analimar, Mart´Nália e Martinho Antonio (Márcia entra) Não bebo não, eu quero é água.

Márcia: Você não bebe não?

Tunico: Não bebo não, sou preto, mas não bebo não minha fia. Não quero esse treco não, quero é água.

Tunico: Na época a Analimar, Martinália e Martinho Antonio graças a Deus sempre foram muito mais velhos do que eu.

Thyana: Uhum.

Tunico: Então o convívio mesmo dentro de casa, eu tinha aquela coisa que é do irmão mais novo com o irmão mais velho. Normal, o irmão mais novo fica em casa e o irmão mais velho voa. Assim... é... e o meu pai na época, como era, hoje em dia já tá mais devagar, e por ele mermo, não por nada. Ele quase não parava em casa não porque ele tinha muito trabalho e muitos compromissos. Então, basicamente, o que eu aprendi, era quando ele tava em casa e tava preparando um disco dele. Ele gravava e era eu que fazia a batucada naquele gravador. Ele... ele ... o cara vai gravar o disco, ele grava, antigamente era no toca fita, hoje em dia no mp3, antigamente era no toca fita. Ai ele apertava rec play e falava: ai arranjador, música tal, fulano de tal, e papapau a música é assim – ele cantava o disco todo naquela fita e passava a fita pro arranjador. E eu era o cara que, eu era o garoto que pegava o trabalho dele e ficava batucando. Entendeu? E a influência um pouco deles, os meus irmãos, era mais porque eles escutavam outras coisas sem ser o meu pai.

Thyana: E o que mais tocava em casa, assim as músicas, as outras...

Tunico: Sempre foi muito eclético, por causa disso, tinha o samba que era com o pai. Claro, quando tinha roda de samba, a gente gostava. Eu, por exemplo, não precisei ir pra Cacique de Ramos pra conhecer samba. Eu via, eu vi todos os mestres do samba dentro da minha própria casa. Não precisei sair de minha casa, tipo, Dudu Nobre saiu de Vila Isabel pra tentar fazer o nome dele lá no Cacique. Eu não precisei disso, não precisei ir lá pro Cacique, os mestres iam à minha casa. Essa é a, é uma grande diferença. Pois quando não tinham as rodas do meu pai, os meus irmãos escutavam, escutavam muito aquelas coisas dos anos 70, 80, muita discoteca. Eles sempre ouviam muito de tudo. Então daí eu comecei a escutar outras coisas também, por isso que eu gosto de outras coisas sem ser o samba. Eu gosto de rock, gosto de house, gosto de um monte de coisa. Por causa disso.

Thyana: E uma música que seu pai costuma cantar muito em casa, fora dos shows... assim alguma, alguma que se repete?

Tunico: Ele nunca foi de cantar uma música só em casa não. Não, não, ele nunca foi não. Ele sempre foi um cara que, quando ele tava preparando o disco, ele nunca podia avisar pra ninguém. Mas ele ficava assoviando muito uma música e a gente não conhecia. Pô, peraí, essa melodia a gente não conhece... Pai cê ta gravando um disco? Ele diz: "é to começando a... vou começar a preparar já".

Thyana: Legal.

Tunico: Mas ele nunca foi de cantar uma música, ele sempre foi um cara que grava o disco dele, gravou, colocou no mercado, já tá tudo certo. Ai ele aprende as musicas, canta no show dele, mas ele não é de ficar cantando em casa. Ele cantarola mais em casa quando ele ta gravando o CD.

Thyana: Bacana. E você sabe quais são as referências dele pra compor? Tem alguma coisa que transparece durante esse processo?

Tunico: Tem, tem muito. As parcerias dele. Ele praticamente aprendeu a compor mais meio que sozinho mermo, ele num teve ninguém. Na época dele, ele morava na boca do mato, era uma época difícil pra caramba. Mermo quando ele foi se tornando... Pra ele se tornar Martinho da Vila, pra você ter uma idéia, ele achou que fosse que ... o Hildo chamou ele na antiga RCA e ele achou que um artista queria gravar um samba dele. Então o que ele fez: ele foi lá pra Nilópolis, ele saiu do Méier, pegou o trem cantando as músicas, cantarolando as músicas, pra, tipo: “meu papel, meu canudo de papel...” pra não esquecer, foi lá pra Nilópolis na casa do Cabana, porque o Cabana tinha o gravador. Ele chegou: “ o cumpadre, o cumpadre, preciso gravar um negócio ai” e ai o cabana, “não Martinho, venha aqui, grava o negócio aqui”. Ai foi, gravou tudo e levou pra RCA. Entendeu, ai o Hildo falou: “Não, não é pra nenhum artista gravar suas músicas não, você vai gravar” Ai meu pai: “ih não, tô fora, não quero”. Ai ele: “não, você vai cantar”. Ai aconteceu, né?! O Hildo teve essa luz. Ele gravou, estourou do da forma que estourou e hoje em dia ele é o que é.

Thyana: E tem algum verso dele, que o define bem? Algum trecho dele mesmo.

Tunico: “Vida de artista é estável até estrada e avião, mas é do povo que vem a minha energia e é pra ele que eu me dou de coração” isso daí define bem ele.

Thyana: E qual é o ônus e o bônus de ser filho de artista?

Tunico: O bônus, é porque pra mim é normal, não tem essa, esse negócio não. É igual ser filho do João Francisco dali, que mora ali em cima da, do açougue. Pra mim não tem diferença. Assim, o problema é que muita gente acha que nós que somos filhos de artista já temos a metade da vida ganha. É a maior mentira. Todo mundo acha que, ah, o cara e filho de artista e uma gravadora já vai pegar ele. Porra nenhuma, isso é a maior balela que tem. Isso é estória. Não ajuda em porcaria nenhuma, muito pelo contrário. Ás vezes até atrapalha. Porque pra começar, todo mundo compara. Você pode ser o sucesso que for “ah, mas o pai dele”. A Maria Rita hoje é uma grande estrela. Maria Rita é a Maria Rita, mas até hoje tem um sem vergonha que compara ela com a mãe dela, com a Elis. Deixa ela! Mart´Nália é a mesma coisa. “Ah, porque a filha do Martinho da Vila ganhou o prêmio lá na Alemanha, não sei o que. “ Não, ta bom, é a filha do Martinho da Vila, mas Mart´Nália ganhou o prêmio. Então não tem nada, não tem. Eu to muito acostumado a isso. Então, a única coisa pra mim que seja um pouco ruim talvez seja até um pouco da comparação. E muita coisa dessa comparação, a culpa também nem é nossa, porque ta no DNA da pessoa, não tem jeito. Por exemplo, meu pai, ele sempre foi, ele é um Pai meio que ausente e presente ao mesmo tempo. Ele é ausente porque ele viaja, na época ele sempre viajava muito. Eu era garoto e ele viajava demais, trabalhava muito. Muitas datas importantes, ele não tava. Mas não porque ele não queria, mas porque ele viajava mermo. Era dele, viajar e fazia shows. O cara lá do buraco do não sei aonde contatava ele e vão embora. O negócio dele era viajar. Talvez a única coisa é que eu senti um pouco essa falta só, mas e ao mesmo tempo não sentia muito. Porque ele chegava e opa, vamos pra .... Ai eu pegava e chamava pra viajar, ai eu passava uns dias com ele. Essa falta só, mas não tem muita diferença não. Não tem muita diferença de ser filho de um artista famoso ou ser o filho dum José Francisco. Ambos tem sua dificuldade. Por que o filho do José Francisco tem dificuldade de arrumar um grande emprego e ser uma grande pessoa. E o filho do artista é a mesma coisa.

Thyana: E qual é a lição de vida que ele te passou, assim que você vai levar e passar pros seus filhos e que você gostaria também de passar pras outras pessoas.

Tunico: Em se tratando de Martinho da vila, não é nem o que ele passou, é o que ele passa. Meu pai não é simplesmente um cantor de samba hoje em dia. Ele não é um cara só pra cantar música. Escritor, atuante do movimento negro, hoje em dia ele é candidato a imortal. Ele fez muita coisa pelo movimento negro, a aproximação Brasil-Angola foi culpa dele, sim senhora, então assim, ele passa muitas lições. Não teve só uma que passou, pó o Martinho meu pai passou uma, não... teve várias. Tanto positivas quanto negativas. Mas o negativo a gente esquece. E o positivo a gente leva, isso é o que a pessoa...qualquer um, você um dia vai ser mãe, vai ter filho e vai passar coisa positiva e negativa pro seu filho. Seu filho vai olhar e falar “pô mãe que coisa feia que tu fez heim” Mas ele vai esquecer, porque tu é mãe. Seu filho se fizer coisa errada é a mesma coisa. Então é a mesma coisa. Então ele sempre passa lição, ele num tem aquela coisa que ele passou não. Ele passa até hoje. Ele vai morrer e vai continuar passando. Porque pra ter uma pessoa, dentro do samba, pra chegar perto da onde ele chegou, acho muito difícil. Muito difícil mesmo.

Thyana: Tunico, obrigada. Tem mais alguma coisa que você gostaria de falar pra gente?

Tunico: O que vocês que me chamaram aqui. Vou falar o que?

Thyana: Agradeço imensamente, tá?! Foi bem rico. É isso.

Tunico: Mesmo eu vestido de Flamengo? Uma coisa muito ruim, uma coisa muito ruim que tem, que tem do meu pai, também ninguém é perfeito, ele é Vasco da Gama. ele é Vasco. Ele é Vice doente.

Thyana: Uma das minhas perguntas seria: Se ele sendo Vasco, se a família é Vasco? Mas como você já veio de Flamengo já ..

Tunico: Tem coisa ai, não é atoa. Eu sou filho de Martinho da Vila e afilhado de Paulinho da Viola e de Eliana Pitman. Então na época, o meu pai me levava pra tudo quanto é jogo do Vasco e o falecido Alcir Portela jogou no Vasco, foi técnico do Vasco no Rio e andava pra cima e pra baixo com o pai, e o caramba a quatro, e o Roberto dinamite meio que a gente, eu tinha noção de que era o Roberto Dinamite, até que teve um infeliz Flamengo e Vasco. E o Vasco inclusive ganhou naquele jogo. O pai diz que o Vasco naquele dia perdeu, mas não perdeu não, ganhou de 2 a 1 se não me engano. E a gente foi de tribuna pro Maracanã, ai eu olhei assim pro outro lado, eu não tinha noção ainda do que era. Assim, eu gostava de futebol. Então, eu não tinha noção do que era o Vasco, do que era o Flamengo. Eu não tinha noção ainda não, eu gostava de ver futebol. Era muito garoto. Ai quando vi a torcida do Flamengo, o maracanã tava muito cheio, a torcida do flamengo cantando “ mengo, mengo, mengo” ai eu comecei a chorar no estádio ai, e minha mãe nesse dia não foi pro jogo. Eu tava todo vestido de Vasco. Quando eu cheguei em casa eu falei: mãe, mãe os caras estavam gritando mengo, mengo e eu gostei daquilo e eu comecei a chorar. Ela falou assim: “a meu filho, mas peraí ai quando seu estava grávida...” a minha mãe é flamenguista, “quando eu tava gráfica de nove meses, eu fui ao Maracanã, na arquibancada, com você. E nego falava: “vai nascer, é um rubro-negro, vai nascer, vai nascer aqui”. Ai minha mãe falava “não, se nascer aqui tudo bem” e a torcida cantando mengo, mengo. E ela disse, acho que rolou um...e falava “você chutava muito a minha barriga”. E fatalmente, eu não seu se é possível, mas aquilo deve ter, e realmente deve ter alguma coisa. Eu lembro que aquele jogo, eu não vi aquele jogo. Eu só via a torcida do Flamengo. Então eu falei: mãe a partir de hoje eu sou Flamengo. Eu lembro que o Paulinho da Viola me deu um quadro lindo do Vasco, lindo, era um quadro lindo mesmo o quadro, e o quadro ficava assim pendurado no meu quarto. A primeira coisa que eu fiz, foi tirar o quadro. Ai que eu fui pesquisar o Flamengo, ver, ai sei lá, foi na época do Zico. Essa história...ai comecei a ir nos jogos do Flamengo ver o Zico. Ai hoje em dia eu sou doente mesmo. Paro qualquer coisa. Daqui a pouco eu tô indo embora pra ver o jogo.

Thyana: Legal. Tunico muito obrigada era uma pergunta que eu ia deixar e acabou rendendo uma história. Mais uma lição. Obrigada.

Tunico: de nada.



Um pouco mais sobre Tunico Ferreira:


Compositor e percussionista desde 1994 se lançou como cantor em 2003.

2003 - 1º CD - "Tunico Ferreira" .
2006 - 2º CD - "Na cadência do partido-alto".

Como o foco de nossa entrevista foi Martinho da Vila, divulgamos alguns links interessantes de Tunico Ferreira falando sobre o seu trabalho como músico.





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